Os livros históricos dão da história uma interpretação profética, o que não está em contradição com o seu autêntico valor documentário. O aspecto profético desses livros lhes vem não somente do grupo dos últimos profetas, mas também do livro que os precede imediatamente na ordem atual do cânon, o Deuteronômio. Este livro tem duas faces: Uma voltada para o Pentateuco, do qual constitui a conclusão, a outra para os livros históricos (primeiros profetas), dos quais constitui a introdução. Qualquer que seja o meio ambiente que deu origem ao Deuteronômio, o seu parentesco com os profetas é inegável e, na sua preocupação pela continuidade, ele visa mostrar a filiação do profetismo com o próprio Moisés (Dt 18,15ss.). Nenhum profeta, é verdade, reivindica explicitamente o patrocínio de Moisés, mas também é verdade que nenhum deles o recusaria.
Esta é também a atitude do historiador ao qual devemos o conjunto de Josué a Reis, muitas vezes qualificado como “historiador deuteronomista”. A personalidade desse autor, em que alguns não enxergam mais do que um compilador, é menos fácil de ser apreendida que a de outros autores bíblicos, pois ela não se prolonga em uma coletividade ou uma escola. Entretanto, mui discretamente ele nos dá, no fim da sua obra, uma espécie de assinatura que nos ilumina sobre a sua época e sobre a sua teologia: em 2Rs 25,27 se diz que o rei da Babilônia “reergueu a cabeça” do rei Ioiakin, deportado há 37 anos, fazendo-o sair da sua prisão, falando-lhe com bondade e elevando o trono dele acima dos tronos dos reis que estavam com ele na Babilônia. Isto ocorreu no ano de 561; o povo encontrava-se em pleno exílio, sem esperança aparente de ver o fim do exílio num futuro próximo. Ora, este pequeno sinal vem justamente lembrar que a promessa que até ali orientou a história não está aniquilada, se bem que alhures o autor insista no fato de que as desgraças atuais são o resultado lógico de uma seqüência de infidelidades. O autor coincide exatamente com o ponto de vista dos profetas, que viam na história uma sucessão de juízos divinos e de reintegrações na graça.
Uma obra histórica de síntese, como o é o conjunto dos primeiros profetas, pode nascer em uma época feliz, quando se constata a realização de uma longa e difícil expectativa; pode também nascer num momento em que um passado glorioso parece estar desmoronando. Os primeiros profetas querem chamar para uma volta, mas não vêem a salvação em uma simples volta à época mosaica, por mais importante que sejam para eles as figuras desses novos (Moiséss) que são Samuel e Elias. O historiador dos primeiros profetas não esquece a outra intervenção divina na história, que é a aliança com Davi. Sem dúvida, houve mais reis ruins do que bons, e vários deles foram a causa da infidelidade de Israel, INDUZINDO-O A ASSOCIAR BAAL AO SENHOR E A PREFERIR A política das alianças e dos blocos à manutenção do lugar único que YAOHU quis para Israel no meio das nações. Mas, para este historiador, a realeza constitui também a brecha pela qual Israel entrou nos conflitos dos reinos para ser ali o instrumento e o testemunho de outro Reino. Num momento em que estas certezas pareciam definitivamente comprometidas, era útil lembrar ao povo que elas continuavam a manter a sua validade.
Começando pela promessa de Yaohu a Josué de dar-lhe a terra (Js 1,1-9) e terminado com a menção à elevação de Ioiakin, a obra muitas vezes heterogênea se apresenta sob o signo da unidade. Terra e reino podem momentaneamente não existir, mas serão restabelecidos, tão certo como não rui por terra nenhuma das palavras ditas por Yaohu, mas sempre encontra a sua realização (cf. Js 21,45; 23,14; 1Sm 3,19; 1Rs 8,56; 2Rs 10,10). Enquanto isso, os leitores reencontrarão a sua identidade meditando os feitos de Deborá, de Guideon, de Samuel, de Davi, testemunhas da fidelidade de Yaohu às suas promessas. A recordação dos grandes atos de Yaohu, apresentados com intuito didático, ao mesmo tempo como narração e como exortação, deverá fazer evitar a recaída nos erros dos pais. Inspirado pelos profetas, o historiador ao qual devemos a coleção dos primeiros profetas, por sua vez, inspirará aqueles que se dedicaram a dar aos livros dos últimos profetas a sua forma definitiva, harmonizando-os com uma tradição que adquirira um valor e uma função de certo modo canônicos.
As duas partes do grupo dos profetas estão intimamente unidas, sendo proveitoso fazer uma leitura conjunta de ambas. Teremos então melhores condições para situar os profetas na história e para melhor perceber na história a palavra que cria os acontecimentos e que os transcende continuando a interpelar-nos nas nossas situações de hoje! LEIA A BÍBLIA! § (Obs. Da página de nº 5).
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